quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A Constante de Galvão Bueno

    A descoberta da viagem no tempo é uma das histórias mais interessantes da humanidade. Alguns diriam que isto se deve ao fato de que tudo aconteceu por mero acidente; outros, por causa dos perigos incomensuráveis pelos quais seu descobridor passou. Mas, a maioria simplesmente diria que é a melhor história para se acalmar uma classe de alunos que insiste em fazer corridas de carteiras durante a aula de História.
    Tudo começou no século XXI, no dia 10 de janeiro de 2010. Em uma tarde ensolarada no verão brasileiro, com o termômetro marcando 31ºC, o jovem Arthur Bueno estava desolado. Os raios de sol penetravam pelas janelas de vidro do museu como lanças flamejantes, transformando o ar dentro da sala em uma massa quente e grudenta que lhe secava a garganta e embaçava sua visão. O aviso de "ar condicionado quebrado" parecia rir de sua cara encharcada de suor, enquanto seu tio Galvão Bueno explicava-lhe sobre as nuances das pinceladas em mais um quadro pós-moderno:
    -Bem, amigo... perceba como os leves tons de azul contrastam com os fortes traços de marrom nesta parte da pintura, demonstrando as diferenças entre os sentimentos humanos... haja coração!
    Arthur mal ouvia estas palavras, que se juntavam ao som de uma música horrível que vinha da rua abaixo. Na calçada em frente ao museu, um show ao ar livre reunia centenas de jovens, que cantavam em coro as melodias terrivelmente construídas pela banda ali presente. Arthur sabia que já tinha ouvido aquela desgraça em algum ponto de sua vida, mas não conseguia se recordar direito qual era o nome do conjunto. Alguns segundos depois, porém, o show chegou em seu clímax e o grupo começou a tocar seu maior sucesso. Arthur então entrou em desespero, quando percebeu que estava ouvindo a música "Ana Júlia".
    Arthur teria entrado em um desespero muito maior se, como nós, ele pudesse analisar a cena toda em um aspecto mais geral. Ele estava em um museu sem ar condicionado, em pleno verão, analisando obras pós-modernas com a narração de Galvão Bueno, enquanto a banda "Ana Júlia" tocava ao fundo. Sem saber, Arthur estava vivenciando a situação mais chata já ocorrida na história de toda a humanidade.
    No século anterior ao que se passa esta história, um físico chamado Albert Einstein revolucionou o mundo da ciência com a teoria da relatividade. Algo muito importante que pode ser derivado desta teoria é o fato de que a passagem de tempo é relativa ao observador. Isto nunca foi muito útil para alguma coisa, já que as coisas grandiosas daquele século, como o zíper, o controle remoto, a migração de mão de obra barata e desqualificada e o biquíni foram inventadas sem utilizar isso. Assim, o grande cientista ficou famoso mesmo é pelo método idealizado por ele para pirotecnizar milhares de japoneses em questão de segundos.
    O que ninguém percebeu naqueles tempos, enquanto assistiam maravilhados à carne humana japonesa ser vaporizada, era o estupendo benefício que esta teoria pode trazer. A passagem do tempo, na verdade, depende única e exclusivamente do observador. Por exemplo: a hora do recreio, que deveria demorar 15 minutos, passa em 15 segundos, aproximadamente, para o estudante. Da mesma forma, a fila para pagar a comanda da balada, que deveria demorar os mesmos 15 minutos, demora 6 horas e meia, para o cliente alcoolizado que não pegou ninguém.
    No momento em que Arthur começou a se desesperar, a passagem de tempo já havia se distorcido consideravelmente para ele. No carro, quando estavam a caminho do museu e seu tio começou a narrar o trajeto de ida, 1 minuto demorava 5 minutos para passar. Quando chegaram na exposição, 1 minuto já estava demorando 12 horas para passar. Quando começaram a ver os quadros e a narração de Galvão Bueno começou novamente, 1 minuto estava demorando 322 dias, 3 horas e 22 minutos. Quando finalmente Arthur entrou em desespero, 1 minuto estava demorando 12 anos, 5 meses, 21 dias, 23 horas e 52 minutos. Este valor é conhecido hoje em dia como a constante de Galvão Bueno. Quando um 1 minuto demora o valor da constante de Galvão Bueno para passar, devido à chatice extrema vivida pelo observador, o tempo se distorce de tal forma que ele começa a voltar.
    Subitamente, a sala do museu onde se encontravam se encheu de uma luz azul extremamente forte, que desapareceu em questão de segundos, levando Arthur consigo.
    Hoje em dia, após anos de estudo, sabemos que a luz azul nada mais é do que um portal que permite que o usuário da viagem no tempo escolha uma data passada a qual deseja visitar. Entretanto, muito pouco se sabe sobre o caminho tomado por Arthur após a abertura do portal.
    Diversas teorias existem sobre as possíveis viagens de Arthur. Dentre elas, duas são aceitas como verdadeiras pela maioria da comunidade científica.
    A primeira delas diz que Arthur decidiu voltar para a década de 40 do século XX, com o intuito de impedir a pior de todas as guerras já vividas pela humanidade. Utilizando seu poder de passear pelo tempo, conseguiu facilmente invadir a fortaleza de Hitler, escondendo-se no tempo sempre que necessário (especula-se que, para conseguir isso, o jovem carregava consigo um mp3 player com o sucesso “Ana Julia” tocando no repeat). Uma vez estando próximo de Hitler, Arthur utilizava a viagem no tempo repetidamente, para fazer com que sempre que o Füher se sentasse à mesa para comer, houvesse migalhas de pão cutucando seus cotovelos e reaparecendo sempre que fossem retiradas.
    Tamanho incômodo fez com que Hitler enlouquecesse completamente. Como precisava extravasar sua raiva, achou prudente exterminar 6 milhões de judeus e depois se suicidar.
    A segunda teoria relata que, em uma de suas viagens, Arthur visitou o mesmo ano de 2010, alguns meses após o episódio do museu, para evitar uma terrível catástrofe bioquímica. Ao assassinar o presidente da companhia de refrigerantes Dolly, Arthur impediu a expansão da mesma para o ramo da produção de cervejas.
    No entanto, a maioria das pessoas gosta mesmo de acreditar que o rapaz teria voltado para épocas de guerras antigas, escolhendo um dos lados da luta ao acaso e levando consigo um tanque de guerra moderno. Afinal, isto é basicamente a coisa mais legal que pode-se imaginar fazer com a viagem no tempo.